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"Perante a recente entrada em vigor da Lei Europeia em matéria de clima, abre-se uma nova janela de oportunidade para refletirmos sobre um dos mais importantes tópicos da atualidade: a sustentabilidade. Como pode Portugal, e em específico os seus produtores agrícolas, contribuir para se atingir os objetivos ecológicos definidos pela União Europeia?"

"Para nos ajudar a responder a esta pergunta, chegamos à fala com duas experientes vozes do setor agrícola Português: Délia Fialho, Technical Manager na FRUTUS, e Tiago Sá, CEO da Wisecrop. Com a sua ajuda, tentamos saber mais sobre o que significa fazer Agricultura Sustentável, como podemos tornar as nossas instalações agrícolas mais sustentáveis e o que se encontra reservado para o futuro da Agricultura em Portugal."

Quando podemos dizer que temos uma instalação agrícola sustentável?

Tiago Sá (TS): Primeiro é preciso definir sustentabilidade, porque tanto podemos falar de sustentabilidade ambiental como económica. Normalmente, quando falamos de sustentabilidade, falamos de sustentabilidade ambiental; no entanto, não podemos desconsiderar a sustentabilidade financeira da empresa, isto é, a sua capacidade de gerar dinheiro. No setor agro, estas duas definições estão muitas vezes ligadas, dado que, em parte, se assumirmos comportamentos sustentáveis do ponto de vista ambiental, à partida estamos também a economizar em algum tipo de gastos. Isto não é, no entanto, necessariamente verdade, porque podemos ter comportamentos muito responsáveis ambientalmente que no fim nos saem mais caros do que comportamentos menos responsáveis. Portanto, sustentabilidade financeira não significa sempre sustentabilidade ambiental.
Depois, é também preciso saber que existem vários números que podem ser analisados para saber se a empresa está a contribuir para a sua sustentabilidade ambiental e/ou financeira.

Sendo assim, que indicadores pode - e deve - o produtor agrícola monitorizar, durante a sua atividade diária, para saber se a sua instalação é sustentável?

TS: Eu diria que depende muito, em primeiro lugar, da cultura que estamos a produzir.
No caso específico da vinha, por exemplo, o número de tratamentos fitossanitários aplicados é um indicador interessantíssimo. O que acontece, muitas vezes, é que o tratamento é a opção “por defeito”, isto é, é dado sem garantia de que a planta está de facto em risco de ocorrência de uma doença. É possível, portanto, reduzir o número de tratamentos.
Em culturas não tão intensivas a nível de tratamentos, a sustentabilidade da empresa pode ser analisada por métricas como a quantidade de água gasta, que é algo facilmente monitorizado - com sensores ou não - e de forma financeiramente acessível. Aqui a relação é direta: quanto mais água é gasta, mais dinheiro é gasto também - seja pelo consumo da água, seja pela energia necessária para bombear essa água - e menos ecológica é a empresa.

Parte de ser sustentável passará também pelo respeito pela Biodiversidade. É possível conciliar as necessidades de produção agrícola em larga escala com o respeito pelo solo, pela floresta e pelas árvores não-produtoras?

Délia Fialho (DF):  Na fruticultura, a agricultura intensiva é respeitadora do meio ambiente e do ecossistema onde está integrada e é, portanto, possível conciliar as duas coisas. De resto, dado que tudo é indexado à unidade de área - desde adubos, combustíveis, fitofarmacêuticos, água, etc, - torna-se até possível produzir mais com menor necessidade de fatores de produção por hectare. É, portanto, uma forma de utilizar os recursos investidos de forma mais eficiente, deixando de fora as terras marginais, que são floresta, bosquetes e zonas de refúgio para a biodiversidade.

“Produção intensiva” não é, portanto, sinónimo de injúria para o Ambiente.

DF:  Produção intensiva aparece por vezes com uma conotação muito negativa. Porém, ela não é sinónima de agressividade ao ambiente, nem implica a degradação de solos, ou o abuso de fatores de produção. Produção intensiva, em fruticultura, significa simplesmente que temos mais árvores por hectare, árvores com menor volumetria e que permitem um melhor aproveitamento dos fatores de produção, incluindo da luz, a nossa principal fonte de energia.

 

 

Do que conhece do panorama português, que evolução tem tido a adoção de práticas de agricultura mais sustentáveis? Para onde caminha a Agricultura em Portugal?

DF: Em Portugal, e falando especificamente pela fruticultura onde trabalho, é possível ver que as Organizações de Produtores estão cada vez mais percorrendo o caminho da sustentabilidade. Os nossos produtores também são levados a aderir a estas práticas, não só pela necessidade de preservar o ecossistema, como também de ir ao encontro das necessidades dos nossos clientes, que agora procuram produtos com um adequado maneio ambiental associado.

TS: Penso que estão a ser tomadas inúmeras medidas no sentido de reduzir o impacto ambiental das nossas atividades, quer ao nível das emissões carbónicas, quer na utilização de produtos e outros fatores que possam afetar negativamente o ambiente. É bem percetível, por exemplo, o percurso já feito de redução da utilização de fatores de produção químicos.

Depois, ao nível da gestão, também já existem vários casos, dos quais a Wisecrop é exemplo, de soluções que foram criadas precisamente com o intuito de apoiar os setores de atividade, através de várias ferramentas inovadoras, a tomar um percurso mais sustentável.

Perante a recente entrada em vigor da Lei Europeia em matéria de Clima, e olhando agora para o futuro, que desafios esperam os produtores agrícolas nacionais, a curto e médio-prazo?

DF: A recente entrada em vigor da Lei Europeia em matéria de clima vem, uma vez mais, colocar em evidência a importância da agricultura para alcançar as metas climáticas. Será preciso que apostemos numa agricultura apoiada na ciência, no desenvolvimento tecnológico e centrada na Agricultura de Conservação. É também importante que os produtores agrícolas olhem para a questão da sustentabilidade como um assunto premente da sua atividade, sabendo que temos que nos adaptar, e que só o conhecimento científico e as novas tecnologias nos permitirão adaptar em equilíbrio com a natureza.

É justo, então, dizer que as novas tecnologias também terão um importante papel a desempenhar numa Agricultura de futuro. Como pode a tecnologia ajudar-nos a tomar uma visão mais pragmática e eficiente na Agricultura?

TS: Essa pergunta é uma pergunta que nós próprios nos fazemos há meses, senão anos. Isto porque aquilo que fazemos, tecnologia de gestão agrícola, tem uma grande componente assente em análise pragmática, matemática e factual. É, até, um dos argumentos que mais tentamos trabalhar do ponto de vista de marketing, para que o agricultor consiga entender o valor desse tipo de analítica.
Tomemos o exemplo de uma cultura de ciclo anual, onde é comum que, de 9-10 meses de trabalho e investimentos na cultura, se retirar 1 mês de colheita e uma única faturação. Se o agricultor não fizer um trabalho de monitorização de custos adequado, ou se não tiver uma visão pragmática da sua atividade, e apesar da soma avultada que vai receber na faturação, é provável que esse ano de atividade represente uma perda monetária.

Parte do que fazemos na Wisecrop é promover um trabalho de monitorização constante, para que a tomada de decisão possa ser feita de forma atempada, e evitar que o agricultor chegue ao final do ano, quando já não há nada a fazer, sem ser recompensado financeiramente pelo seu trabalho.
Isto é, de resto, um erro crasso e que continua a ser algo frequente na agricultura em Portugal, onde, só agora começamos a ver mais gestores agrícolas do que agricultores. Esta transição de mentalidade é importantíssima e não tenho dúvidas de que as tecnologias, através da “base informática” da gestão e da tomada de decisão que possibilitam, vieram trazer um tipo de pensamento mais analítico e pragmático, que, na nossa opinião, é imprescindível para o sucesso do negócio.

Mais sobre os entrevistados:
Délia Fialho é Technical Manager na empresa Frutus - Estação Fruteira de Montejunto e formadora na Academia do Centro de Frutologia Compal.

Tiago Sá é um jovem empreendedor, fundador da WiseCrop, uma empresa com o intuito de ajudar os agricultores a serem mais competitivos e a aumentar a sua produtividade, ao mesmo tempo que contribui para a sustentabilidade ambiental. Foi escolhido, em 2019, para a lista “30 under 30”, revista Forbes, na categoria de empreendedores sociais. É também formador na Academia do Centro de Frutologia Compal.

Leia mais sobre a Lei Europeia do Clima em: https://ec.europa.eu/clima/policies/eu-climate-action/law_pt

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